A dedicada e virtuosa Companheira Dra. Irene de Freitas Henriques,
Chefe da Divisão Nacional de Ass. Social do Departamento Feminino.
É noite de Natal !...
Luzes, flores, música, alegria na casa do menino rico.
Na casa do menino pobre, a luz, quando não é de querosene, brilha menos. A música quando não é a surdina de um violão sentimental, é o eco longínquo e apagado de sons, que o rico não pode impedir que se escape de suas salas. As flores, ainda em botão, são iguais em todas as casas pobres, porque em todas elas existem muitas crianças. A alegria, é um soluço abafado da incerteza do dia de amanhã.
Hora de dormir !...
O menino que usa roupinhas de seda, calça sapatinhos de verniz e dorme aconchegado em almofadas, coloca seu sapatinho à janela, na certeza de que o papai Noel o transbordará, como nos outros anos, dos mais lindos e ricos brinquedos.
O menino que se veste de andrajos e calça sapatinhos, cujas solas são a pele de seus pesinhos, coloca-os à janela, na esperança de que papai Noel, desta vez, e não como nas outras, não deixe de contemplá-lo com uma prenda, ao menos aquela que não sirva para ser manuseada pelo seu vizinho.
Ambos dormem ! Dormem e sonham...
Um, tem o sonho cor de rosa, que devem ter todas as crianças. Na noite de Natal, o menino dos sapatinhos de verniz, tem o sonho daquilo que vai lhe suceder no instante em que o sol nascer para todos.
Antes, porém, que o rei astro doire por igual as cabecinhas das crianças, o menino entre as almofadas, já brinca com tambores, corneta, velocípedes e toda uma coorte dos mais variegados divertimentos infantis.
O outro, sonha também ! Mas o seu sonho é diferente... Sonho do desejo que pode não ser satisfeito ! É o sonho daqueles que jogam tudo, na esperança de salvar um tesouro que periclita.
Amanhece ! O sol divide-se e sub-divide-se numa ânsia de tudo iluminar com a mesma intensidade, e tudo reluz igualmente na natureza...
Os sonhos realizaram-se ! O menino que mora no palacete, brinca com os presentes que ele vira em sonho, e o menino que mora no barracão, vê confirmadas as suas incertezas, transborda pela vertente de seus olhitos as lágrimas de um anseio insatisfeito e diz para o íntimo de sua amargura: “Papai Noel só gosta dos meninos ricos !”
Assim, a criança que até então, nunca se havia preocupado com seu eu, mas somente com as coisas que a rodeavam, começa a sentir revolta íntima pela injustiça dos homens.